sexta-feira, 11 de setembro de 2020

Jornal CCEPA Opinião 288 - Setembro/2020


Ciência e EspiritualidadeSerá possível reconciliá-las?

Nos dois séculos que se seguiram ao de Allan Kardec, parece se haver consolidado entre psicólogos cognitivos, neurocientistas e filósofos o chamado “fisicalismo”. Kardec teve como objetivo principal em sua obra contrapor-se ao “materialismo”. Mais de 160 anos depois, a cultura acadêmica é dominada pelo chamado “fisicalismo”. Ou seja: toda a realidade é determinada exclusivamente por fatos físicos e as criaturas humanas são vistas tão somente como máquinas biológicas de extrema complexidade. Para os padrões científicos ora adotados, todos os aspectos da mente e da consciência humana são gerados pelos processos neurofisiológicos que ocorrem no cérebro. Nessa visão, a consciência nada mais é do que um epifenômeno superveniente a esses processos neurofisiológicos.

Surge, no entanto, importante reação de um grupo de cientistas norte-americanos a essa posição das ciências acadêmicas. Em artigo publicado no periódico britânico “The bservatory”, com o título de Toward Reconciliation of Science and Spirituatily: A Brief History of “Sursem” Project (Rumo à Reconciliação da Ciência e Espiritualidade: Uma Breve História do Projeto “Sursem”), Edward F. Kelly, Professor do Departamento de Psiquiatria e Ciências Neurocomportamentais descreve o movimento desencadeado por cerca de 50 cientistas da área, desde 1998, para mudar os conceitos acima expostos. Kelly é autor de obras como Irreducible Mind: Toward a Psychology for the 21st Century (“A Mente Irredutível: Rumo a uma Psicologia para o Século 21”) e Beyond Physicalism: Toward Reconciliation of Science and Spirituality (“Além do Fisicalismo: Rumo à Reconciliação entre Ciência e Espiritualidade”).

O grupo defende ter chegado a hora de derrogar a “arrogância” acadêmica que desprezou toda a sabedoria e a experiência coletiva acumulada pela humanidade, a qual sempre viu na espiritualidade uma fonte de conhecimentos que não podem ser menosprezados pela ciência atual.

O Projeto “Sursem”, por eles criado no Instituo Esalen, se constituiu numa série de eventos que reuniu, sob a liderança de Michael Murphy, neurocientistas, psiquiatras, filósofos, físicos e historiadores para avaliar as evidências empíricas da sobrevivência humana à morte corporal, sugerida, segundo o grupo, por fenômenos como experiências de quase morte e fora do corpo, experiências místicas, fenômenos psíquicos e crianças que se lembram de vidas anteriores. No artigo de “The Observatory”, Edward Kelly sustenta que um dos grandes desafios da modernidade é “reconciliar, de maneira aceitável, inteligível, significativa e reconhecível, ciência e religião”. O artigo pode ser baixado em versão para o português no site http://www.mentealemdocerebro.com.br.

A experiência de um brasileiro O filósofo e historiador das ciências Gustavo Rodrigues Rocha, Professor da Universidade Estadual de Feira de Santana (BA), que, em seu pós-doutorado na Universidade da Califórnia, em Berkeley, EEUU, elegeu como estudo de caso o Projeto Sursem, foi recentemente entrevistado na reportagem A mente além do cérebro e a busca pelo sentido do mundo, do jornal “O Tempo”, de Belo Horizonte. A matéria pode ser lida neste site: https://www.otempo.com.br/interessa/a-mente-alem-do-cerebro-e-a-busca-pelo-sentido-do-mundo-1.2341939.

Para Gustavo, o Projeto Sursem, reunindo esses intelectuais norte-americanos, trabalha “em cima da tese subversiva e dissidente dentro do contexto do sistema acadêmico-científico contemporâneo, segundo a qual a mente não poderia ser entendida, explicada e reduzida inteiramente ao funcionamento do cérebro”. Segundo ele, o grupo Sursem caminha no sentido de “apresentar evidências empíricas, teorias e modelos que sugerem que a consciência independe do cérebro e, quiçá, ‘algo’ de nossa mente possa sobreviver à morte corpórea”. O professor brasileiro diz nunca haver encontrado “um grupo de acadêmicos de tal envergadura, com uma construção tão sólida e consistente, propondo-se a enfrentar, a partir de uma perspectiva multidisciplinar e transdisciplinar, questões tão espinhosas do sistema de saberes moderno”.

Nossa Opinião

Prenúncios da Era do Espírito?

Parece mesmo mais adequado nominar a posição dominante entre os cientistas como “fisicalismo” em vez de “materialismo”. Entre eles há professores em Universidades religiosas. Outros tantos trabalham em instituições públicas, mas têm crenças religiosas. Muitos não se definem como materialistas e vivem essa dicotomia: enquanto cientistas, adaptam-se aos padrões vigentes, onde é praticamente vedado atribuir quaisquer atividades da mente humana a causas extra cerebrais. O “espírito” ou a “alma” para eles é uma abstração que não cabe na concretude humana. Faz parte do mistério, do sobrenatural e não pode ser objeto de uma abordagem racional e científica.

O grupo do Projeto Sursem declara-se composto de “pesquisadores de mentalidade científica com amplos e variados interesses”. Definem-se como “espiritualizados, mas não religiosos, no sentido convencional”. Sem se filiar a qualquer crença religiosa específica, se dizem “ancorados na ciência”, e desejam “ampliar seus horizontes”. Identificam o cenário atual como palco de dois fundamentalismos: o religioso e o científico, e, assim, propõem “um caminho do meio” entre ambos.

Fácil identificar esses propósitos com aqueles expostos por Allan Kardec, ao fundar o espiritismo. Sem querer fazer dele uma nova religião, propunha explicitamente estabelecer uma “aliança entre a ciência e a religião”, apresentando o espiritismo como o “caminho neutro” a possibilitar essa aliança.

O tempo de Kardec, onde parte da ciência acadêmica admitia o “espiritualismo racional”, era bem mais propício a esse objetivo. Daí o otimismo presente na obra de Kardec. Mas, o século XX parece ter preferido trilhar o caminho “fisicalista”, atribuindo ao cérebro humano a inteira capacidade de gerar os processos mentais, aprisionando, assim, o espírito nos limites da fé religiosa, onde, aliás, os próprios espíritas preferiram, em maioria, se refugiar.

Menos mal que há reações, vindas do próprio meio científico. Elas podem estar gestando um novo tempo: a Era do Espírito, sonho de Kardec e daqueles que bem o compreenderam.

(A Redação).

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