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Kardec e os Princípios Fundamentais
Há 150 anos, Allan Kardec lançava “O Que é o Espiritismo”. Seu
objetivo: combater as “ideias falsas”, concebidas “a priori” por
aqueles que não conheciam os “princípios fundamentais da Ciência”
Há 150 anos, Allan Kardec lançava “O Que é o Espiritismo”. Seu
objetivo: combater as “ideias falsas”, concebidas “a priori” por
aqueles que não conheciam os “princípios fundamentais da Ciência”
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O lançamento
Na “Revista Espírita” de julho de 1859, seu diretor, Allan Kardec, noticiava o lançamento de “O Que é o Espiritismo”. Apresentava-o como “um resumo que permitirá, numa leitura rápida, apreender o conjunto dos princípios fundamentais da Ciência”. Justificando tratar-se, efetivamente, da exposição dos fundamentos de uma proposta científica, alheia a qualquer tipo de revelação religiosa, sublinhava seu autor, no anúncio de lançamento: “Aqueles que, depois dessa curta exposição, julgarem o assunto digno de sua atenção, poderão aprofundar-se com conhecimento de causa”.
Dois anos haviam se passado da edição inaugural de “O Livro dos Espíritos”, obra fundamental da doutrina espírita (abril de 1857). Kardec, como editor da “Revista Espírita”, recebia dos mais diversos quadrantes do mundo cartas questionando-o sobre temas espíritas. Seu objetivo com aquela nova obra era, como ali consignava, “apresentar, num quadro a resposta a algumas perguntas fundamentais, que nos são dirigidas diariamente”. Assim, dizia, a obra contribuiria para que fossem afastadas aquelas “ideias falsas que adquirimos a priori sobre aquilo que não conhecemos”. Terminava Kardec a matéria pedindo “o concurso de todos os amigos dessa ciência, auxiliando a divulgação desse curto resumo”.
A preocupação com a identidade espírita
O opúsculo então lançado se caracterizaria justamente por fixar com clareza a verdadeira identidade do espiritismo. Já na introdução, define-o sucintamente como “uma ciência que trata da natureza, da origem e do destino dos espíritos e de suas relações com o mundo material”. Mas, para chegar à definição, em breve preâmbulo, esclarece que, sendo “uma ciência de observação”, o espiritismo é, ao mesmo tempo, uma “doutrina filosófica”, aduzindo: “Como ciência prática, consiste nas relações que se podem estabelecer com os Espíritos; como filosofia, compreende todas as consequências morais que decorrem dessas relações”.
Todo o pequeno livro, lançado há exatos 150 anos, utilizando-se especialmente de diálogos – o primeiro deles com o “crítico”, o segundo com o “visitante” e o terceiro com o “padre - envolve conceitos precisos, embasados em fatos e na razão. Dos fatos e da razão Kardec extrai, com maestria e didática, consequências morais, identificando estas com o próprio ensino moral de Jesus, mas recusando, expressamente, fazer dessa doutrina uma nova religião
Na “Revista Espírita” de julho de 1859, seu diretor, Allan Kardec, noticiava o lançamento de “O Que é o Espiritismo”. Apresentava-o como “um resumo que permitirá, numa leitura rápida, apreender o conjunto dos princípios fundamentais da Ciência”. Justificando tratar-se, efetivamente, da exposição dos fundamentos de uma proposta científica, alheia a qualquer tipo de revelação religiosa, sublinhava seu autor, no anúncio de lançamento: “Aqueles que, depois dessa curta exposição, julgarem o assunto digno de sua atenção, poderão aprofundar-se com conhecimento de causa”.
Dois anos haviam se passado da edição inaugural de “O Livro dos Espíritos”, obra fundamental da doutrina espírita (abril de 1857). Kardec, como editor da “Revista Espírita”, recebia dos mais diversos quadrantes do mundo cartas questionando-o sobre temas espíritas. Seu objetivo com aquela nova obra era, como ali consignava, “apresentar, num quadro a resposta a algumas perguntas fundamentais, que nos são dirigidas diariamente”. Assim, dizia, a obra contribuiria para que fossem afastadas aquelas “ideias falsas que adquirimos a priori sobre aquilo que não conhecemos”. Terminava Kardec a matéria pedindo “o concurso de todos os amigos dessa ciência, auxiliando a divulgação desse curto resumo”.
A preocupação com a identidade espírita
O opúsculo então lançado se caracterizaria justamente por fixar com clareza a verdadeira identidade do espiritismo. Já na introdução, define-o sucintamente como “uma ciência que trata da natureza, da origem e do destino dos espíritos e de suas relações com o mundo material”. Mas, para chegar à definição, em breve preâmbulo, esclarece que, sendo “uma ciência de observação”, o espiritismo é, ao mesmo tempo, uma “doutrina filosófica”, aduzindo: “Como ciência prática, consiste nas relações que se podem estabelecer com os Espíritos; como filosofia, compreende todas as consequências morais que decorrem dessas relações”.
Todo o pequeno livro, lançado há exatos 150 anos, utilizando-se especialmente de diálogos – o primeiro deles com o “crítico”, o segundo com o “visitante” e o terceiro com o “padre - envolve conceitos precisos, embasados em fatos e na razão. Dos fatos e da razão Kardec extrai, com maestria e didática, consequências morais, identificando estas com o próprio ensino moral de Jesus, mas recusando, expressamente, fazer dessa doutrina uma nova religião
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Nossa Opinião
A paixão não raciocina
Se quiséssemos resumir em poucas palavras o objetivo e o conteúdo de “O Que é o Espiritismo”, lançado há 150 anos, poderíamos dizer simplesmente que ali Kardec quis deixar claras duas ideias fundamentais:
1ª – A de que o espiritismo é uma ciência que tem por objeto o estudo do espírito, sua natureza imortal, sua comunicabilidade e sua evolução infinita;
2ª – Que o conhecimento dessa ciência conduz o ser humano a uma nova postura ética individual e coletiva (filosofia moral).
Salientando a importância dessas duas ideias, Kardec diz ao padre, no diálogo ali inserido: “O Espiritismo não era mais que simples doutrina filosófica”, mas, “a própria Igreja o desenvolveu, apresentando-o como um temível inimigo”. E finaliza: “Foi ela (a Igreja), enfim, que o proclamou como nova religião. Uma demonstração de inépcia, pois a paixão não raciocina”.
Mostrava Kardec, com meridiana clareza, que não concebera o espiritismo para ser uma nova religião e que essa classificação o desagradava Sua estrutura de ciência experimental com consequências filosófico-morais não comportava questões de fé e muito menos paixões suscitadas pelas disputas religiosas.
Mas, como diria, pouco depois, Léon Dénis, discípulo de Kardec, o espiritismo seria o que dele fizessem os homens. E os homens, levados pela Igreja, dele fizeram uma religião a mais.
Uma coisa é identificar essa realidade fática. Condição, aliás, indispensável para modificá-la. Outra, bem diferente, é conformar-se com ela. Nós estamos entre aqueles que não se conformam. (A Redação)
Editorial
Um momento singular
“...é preciso que a moralidade vença numericamente”
(Allan Kardec, “As Aristocracias”, em “Obras Póstumas”)
O Brasil vem assistindo a uma torrente de escândalos que acontecem em sua mais alta Casa Legislativa. O Senado Federal, instituição que, no ideal republicano, deveria abrigar homens probos, experientes, voltados à defesa das prerrogativas dos Estados que os elegeram, tem se mostrado um dispensador de privilégios inconfessáveis. Por meio de uma excrescência jurídica, os “atos secretos”, nomearam-se cargos em comissão, concederam-se vantagens, pagaram-se mordomias, remuneraram-se prestadores de serviços particulares com verbas públicas, desbaratam-se, enfim, milhões de reais dos cofres públicos.
Nossa incipiente democracia tem sido, frequentemente, violada por escândalos dessa ordem. Seria ingênuo supor seja isso novidade. Quanto mais recuarmos no tempo, mais identificaremos a presença de sanguessugas do erário público. Por milênios, os mais fortes e os mais hábeis, ora valendo-se da força bruta, ora invocando pretensos direitos divinos, ou de sangue, ou de raça, ou de corporação, assenhorearam-se dos bens comuns e espezinharam os direitos inerentes a todos.
O postulado de que “todo o poder emana do povo e em seu nome será exercido” é uma conquista recente da sociedade que está longe de ser inteiramente praticada. É verdade, já somos capazes de exercitar com plenitude a cidadania na hora de eleger nossos representantes. Mas estamos distantes de poder fiscalizá-los convenientemente e nos sentimos impotentes de lhes evitar os desmandos.
O momento é singular. A plena democracia permitiu-nos fortalecer os organismos políticos. Com os poderes que lhe concedemos, a classe política criou uma formidável estrutura corporativista. Disso decorre que os honestos e bem-intencionados que lá chegam deparam-se com um forte mecanismo protecionista que nem sempre lhes possibilita agir em favor da moralização.
Em contrapartida, talvez nunca como hoje, a sociedade civil esteve tão mobilizada. Nunca a imprensa apontou tão cruamente as mazelas do poder político. Também, inegavelmente, acentua-se o senso ético na consciência do povo. Está começando uma revolução em prol da transparência, da moralidade e da punibilidade dos malversadores do interesse público. O povo se sente traído e compreende que as raízes dessa traição se nutrem no lodaçal de uma imoralidade cultivada e tolerada por muito tempo e que precisa ser contida.
Entretanto, toda a corrupção pública, mesmo a que se institucionaliza e assume ares de legalidade, é gestada na consciência do ser humano. Vale dizer, produze-a o espírito imperfeito, aquele que, segundo os mensageiros da espiritualidade, é ainda dominado pelo orgulho e o egoísmo. Mais do que nunca, a quem, como nós, foi possível a compreensão das leis da vida fundadas na imortalidade e na evolução do espírito cabe investir no processo de educação integral do ser humano.
Resgatar a essencialidade espiritual do homem implica também em demonstrar que há um único caminho para a felicidade, em qualquer plano e estágio: o do esforço pela transformação ética e moral. Não se atingem patamares de justiça, estabilidade política e social, correta administração da coisa pública, sem que esses valores se encontrem ancorados na consciência moral de cada cidadão: de eleitores e eleitos, de governantes e governados.
Convém, enfim, ter presente sempre que o bem e o mal são escolhas do ser humano. Que valores públicos gestados pelos ideais republicanos exigem de cada indivíduo um assentimento e uma participação que não se esgotam no voto e reclamam a ação concreta em favor do bem comum. Viver é, sobretudo, conviver, aprendendo a fazer da convivência um ideário de justiça, solidariedade e fraternidade. Seja qual for nossa posição no contexto social.
Toda a corrupção pública, mesmo a que se institucionaliza e assume ares de legalidade, é gestada na consciência do ser humano.
Opinião em Tópicos
Milton R. Medran Moreira
O Pequeno Buda
No filme “O Pequeno Buda”, com Keanu Reeves, um menino americano conhece um grupo de monges tibetanos que asseguram ser ele a reencarnação de um mestre budista. Sob a incredibilidade inicial, pais e filho partem rumo ao país asiático onde se deparam com crenças e formas de vida muito distintas das suas e da própria maneira de vida do Ocidente.
Monges budistas costumam percorrer o mundo atrás de sinais que caracterizariam a reencarnação de mestres do passado. Essas crianças por eles identificadas como tulkus (mestres reencarnados), depois de convencidos e doutrinados seus pais, terminam sendo afastadas da família para se submeterem a uma rigorosa vida monástica. Tudo sob a crença de que são seres predestinados que, já na encarnação anterior, teriam dado sinais a respeito de onde haveriam de reencarnar para, dali, serem levados a mosteiros nos quais irão se preparar para uma nova missão búdica.
Um Buda brasileiro
Inclusive no Brasil já surgiu um desses pequenos budas: Michel Lenz Calmanovitz, hoje conhecido como o lama Michel Rimpoche. Desde os 12 anos, esse paulista, nascido em 1981 de pai judeu e mãe presbiteriana, vive num monastério no Sul da Índia. Ainda muito pequeno, contrariando as tradições religiosas de seus genitores, começou a falar em coisas como a busca da iluminação, a roda das reencarnações, a supressão de desejos e paixões, e não descansou enquanto não viajou à Índia e ao Nepal com seus pais. Lá terminou sendo reconhecido como reencarnação de um grande mestre tibetano, pediu para envergar paramentos de lama e, em 1994, terminou por se internar num mosteiro, onde vive sob um rígido regime de estudos, orações e trabalho.
O Buda rebelde
Mas, nem sempre as coisas acontecem sob esse mesmo figurino. A edição nº 2117 da revista Veja publicou reportagem contando a história do espanhol Osel Hita Torres que, na década de 70, aos 4 anos, foi reconhecido como um tulku. Seus pais eram budistas e receberam a notícia como um presente dos céus. Permitiram que o garoto fosse levado a um mosteiro no Norte da Índia, onde foi criado com a dureza exigível de um legítimo Buda. Só que Torres não aguentou. E, aos 18 anos, época em que desejos e paixões, normalmente, falam mais alto que a busca da iluminação, terminou deixando o monastério. Hoje, com 24, circula por Hollywood, onde fez faculdade de cinema e já atuou como assistente de produção de um filme. Dias atrás, entrevistado, o “ex-Pequeno Buda” se queixou da violência que teria sofrido na sua infância, ao ser retirado da companhia dos pais para ser internado no monastério. Diz não ter saudade alguma dos tempos em que foi mantido afastado do mundo, rezando e estudando filosofia budista.
A proposta espírita
Teriam os monges que identificaram Torres como um Buda errado o diagnóstico? Ou será que alguém que, numa encarnação, conquista essa chamada “iluminação búdica” não terá, mesmo, mais direito a ter desejos, a ser simplesmente humano? E como tal, viver a vida de um novo jeito, conviver com a cultura e a família na qual reencarna, adaptar-se ao mundo que o rodeia, trabalhar no que gosta e encontrar outras formas de realização pessoal?
É comum entre nós conferir a esses modelos espiritualistas de outros quadrantes uma certa aura de superioridade. E, no entanto, a filosofia espírita, como proposta afinada com o mundo moderno, condena o ascetismo, estimula e valoriza os laços de família e vê o mundo, com seus desafios e contradições, como cenário ideal para o progresso do espírito na convivência com o diferente e na plena vivência do pluralismo. Na verdade, o espiritismo é uma revolucionária proposta de dessacralização e desmitificação do mundo, sob a ótica da imortalidade e da reencarnação, vistas como leis naturais.
*Se quiséssemos resumir em poucas palavras o objetivo e o conteúdo de “O Que é o Espiritismo”, lançado há 150 anos, poderíamos dizer simplesmente que ali Kardec quis deixar claras duas ideias fundamentais:
1ª – A de que o espiritismo é uma ciência que tem por objeto o estudo do espírito, sua natureza imortal, sua comunicabilidade e sua evolução infinita;
2ª – Que o conhecimento dessa ciência conduz o ser humano a uma nova postura ética individual e coletiva (filosofia moral).
Salientando a importância dessas duas ideias, Kardec diz ao padre, no diálogo ali inserido: “O Espiritismo não era mais que simples doutrina filosófica”, mas, “a própria Igreja o desenvolveu, apresentando-o como um temível inimigo”. E finaliza: “Foi ela (a Igreja), enfim, que o proclamou como nova religião. Uma demonstração de inépcia, pois a paixão não raciocina”.
Mostrava Kardec, com meridiana clareza, que não concebera o espiritismo para ser uma nova religião e que essa classificação o desagradava Sua estrutura de ciência experimental com consequências filosófico-morais não comportava questões de fé e muito menos paixões suscitadas pelas disputas religiosas.
Mas, como diria, pouco depois, Léon Dénis, discípulo de Kardec, o espiritismo seria o que dele fizessem os homens. E os homens, levados pela Igreja, dele fizeram uma religião a mais.
Uma coisa é identificar essa realidade fática. Condição, aliás, indispensável para modificá-la. Outra, bem diferente, é conformar-se com ela. Nós estamos entre aqueles que não se conformam. (A Redação)
Editorial
Um momento singular
“...é preciso que a moralidade vença numericamente”
(Allan Kardec, “As Aristocracias”, em “Obras Póstumas”)
O Brasil vem assistindo a uma torrente de escândalos que acontecem em sua mais alta Casa Legislativa. O Senado Federal, instituição que, no ideal republicano, deveria abrigar homens probos, experientes, voltados à defesa das prerrogativas dos Estados que os elegeram, tem se mostrado um dispensador de privilégios inconfessáveis. Por meio de uma excrescência jurídica, os “atos secretos”, nomearam-se cargos em comissão, concederam-se vantagens, pagaram-se mordomias, remuneraram-se prestadores de serviços particulares com verbas públicas, desbaratam-se, enfim, milhões de reais dos cofres públicos.
Nossa incipiente democracia tem sido, frequentemente, violada por escândalos dessa ordem. Seria ingênuo supor seja isso novidade. Quanto mais recuarmos no tempo, mais identificaremos a presença de sanguessugas do erário público. Por milênios, os mais fortes e os mais hábeis, ora valendo-se da força bruta, ora invocando pretensos direitos divinos, ou de sangue, ou de raça, ou de corporação, assenhorearam-se dos bens comuns e espezinharam os direitos inerentes a todos.
O postulado de que “todo o poder emana do povo e em seu nome será exercido” é uma conquista recente da sociedade que está longe de ser inteiramente praticada. É verdade, já somos capazes de exercitar com plenitude a cidadania na hora de eleger nossos representantes. Mas estamos distantes de poder fiscalizá-los convenientemente e nos sentimos impotentes de lhes evitar os desmandos.
O momento é singular. A plena democracia permitiu-nos fortalecer os organismos políticos. Com os poderes que lhe concedemos, a classe política criou uma formidável estrutura corporativista. Disso decorre que os honestos e bem-intencionados que lá chegam deparam-se com um forte mecanismo protecionista que nem sempre lhes possibilita agir em favor da moralização.
Em contrapartida, talvez nunca como hoje, a sociedade civil esteve tão mobilizada. Nunca a imprensa apontou tão cruamente as mazelas do poder político. Também, inegavelmente, acentua-se o senso ético na consciência do povo. Está começando uma revolução em prol da transparência, da moralidade e da punibilidade dos malversadores do interesse público. O povo se sente traído e compreende que as raízes dessa traição se nutrem no lodaçal de uma imoralidade cultivada e tolerada por muito tempo e que precisa ser contida.
Entretanto, toda a corrupção pública, mesmo a que se institucionaliza e assume ares de legalidade, é gestada na consciência do ser humano. Vale dizer, produze-a o espírito imperfeito, aquele que, segundo os mensageiros da espiritualidade, é ainda dominado pelo orgulho e o egoísmo. Mais do que nunca, a quem, como nós, foi possível a compreensão das leis da vida fundadas na imortalidade e na evolução do espírito cabe investir no processo de educação integral do ser humano.
Resgatar a essencialidade espiritual do homem implica também em demonstrar que há um único caminho para a felicidade, em qualquer plano e estágio: o do esforço pela transformação ética e moral. Não se atingem patamares de justiça, estabilidade política e social, correta administração da coisa pública, sem que esses valores se encontrem ancorados na consciência moral de cada cidadão: de eleitores e eleitos, de governantes e governados.
Convém, enfim, ter presente sempre que o bem e o mal são escolhas do ser humano. Que valores públicos gestados pelos ideais republicanos exigem de cada indivíduo um assentimento e uma participação que não se esgotam no voto e reclamam a ação concreta em favor do bem comum. Viver é, sobretudo, conviver, aprendendo a fazer da convivência um ideário de justiça, solidariedade e fraternidade. Seja qual for nossa posição no contexto social.
Toda a corrupção pública, mesmo a que se institucionaliza e assume ares de legalidade, é gestada na consciência do ser humano.
Opinião em Tópicos
Milton R. Medran Moreira
O Pequeno Buda
No filme “O Pequeno Buda”, com Keanu Reeves, um menino americano conhece um grupo de monges tibetanos que asseguram ser ele a reencarnação de um mestre budista. Sob a incredibilidade inicial, pais e filho partem rumo ao país asiático onde se deparam com crenças e formas de vida muito distintas das suas e da própria maneira de vida do Ocidente.
Monges budistas costumam percorrer o mundo atrás de sinais que caracterizariam a reencarnação de mestres do passado. Essas crianças por eles identificadas como tulkus (mestres reencarnados), depois de convencidos e doutrinados seus pais, terminam sendo afastadas da família para se submeterem a uma rigorosa vida monástica. Tudo sob a crença de que são seres predestinados que, já na encarnação anterior, teriam dado sinais a respeito de onde haveriam de reencarnar para, dali, serem levados a mosteiros nos quais irão se preparar para uma nova missão búdica.
Um Buda brasileiro
Inclusive no Brasil já surgiu um desses pequenos budas: Michel Lenz Calmanovitz, hoje conhecido como o lama Michel Rimpoche. Desde os 12 anos, esse paulista, nascido em 1981 de pai judeu e mãe presbiteriana, vive num monastério no Sul da Índia. Ainda muito pequeno, contrariando as tradições religiosas de seus genitores, começou a falar em coisas como a busca da iluminação, a roda das reencarnações, a supressão de desejos e paixões, e não descansou enquanto não viajou à Índia e ao Nepal com seus pais. Lá terminou sendo reconhecido como reencarnação de um grande mestre tibetano, pediu para envergar paramentos de lama e, em 1994, terminou por se internar num mosteiro, onde vive sob um rígido regime de estudos, orações e trabalho.
O Buda rebelde
Mas, nem sempre as coisas acontecem sob esse mesmo figurino. A edição nº 2117 da revista Veja publicou reportagem contando a história do espanhol Osel Hita Torres que, na década de 70, aos 4 anos, foi reconhecido como um tulku. Seus pais eram budistas e receberam a notícia como um presente dos céus. Permitiram que o garoto fosse levado a um mosteiro no Norte da Índia, onde foi criado com a dureza exigível de um legítimo Buda. Só que Torres não aguentou. E, aos 18 anos, época em que desejos e paixões, normalmente, falam mais alto que a busca da iluminação, terminou deixando o monastério. Hoje, com 24, circula por Hollywood, onde fez faculdade de cinema e já atuou como assistente de produção de um filme. Dias atrás, entrevistado, o “ex-Pequeno Buda” se queixou da violência que teria sofrido na sua infância, ao ser retirado da companhia dos pais para ser internado no monastério. Diz não ter saudade alguma dos tempos em que foi mantido afastado do mundo, rezando e estudando filosofia budista.
A proposta espírita
Teriam os monges que identificaram Torres como um Buda errado o diagnóstico? Ou será que alguém que, numa encarnação, conquista essa chamada “iluminação búdica” não terá, mesmo, mais direito a ter desejos, a ser simplesmente humano? E como tal, viver a vida de um novo jeito, conviver com a cultura e a família na qual reencarna, adaptar-se ao mundo que o rodeia, trabalhar no que gosta e encontrar outras formas de realização pessoal?
É comum entre nós conferir a esses modelos espiritualistas de outros quadrantes uma certa aura de superioridade. E, no entanto, a filosofia espírita, como proposta afinada com o mundo moderno, condena o ascetismo, estimula e valoriza os laços de família e vê o mundo, com seus desafios e contradições, como cenário ideal para o progresso do espírito na convivência com o diferente e na plena vivência do pluralismo. Na verdade, o espiritismo é uma revolucionária proposta de dessacralização e desmitificação do mundo, sob a ótica da imortalidade e da reencarnação, vistas como leis naturais.
Notícias
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Mantendo a tradição, o Centro Cultural Espírita de Porto Alegre recebe mais uma vez o Centro de Valorização da Vida, Posto de Porto Alegre, para a realização em suas instalações da 9ª SEMANA DE VALORIZAÇÃO DA VIDA – 28/31 de julho 2009.
Mantendo a tradição, o Centro Cultural Espírita de Porto Alegre recebe mais uma vez o Centro de Valorização da Vida, Posto de Porto Alegre, para a realização em suas instalações da 9ª SEMANA DE VALORIZAÇÃO DA VIDA – 28/31 de julho 2009.
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Programação, aberta ao público:
Dia 28 de julho- Terça- feira
20 horas: Palestra: CVV- Uma Proposta de Vida
Palestrante: Coordenação do Posto
Dia 29 de julho- Quarta-feira
20 horas: Palestra: Saúde e Espiritualidade
Palestrante: José Camargo, Cirurgião Torácico, Diretor Médico do Hospital Dom Vicente Scherer, Chefe do Serviço de Transplante Pulmonar da Santa Casa
(FOTO JOSÉ CAMARGO)
Dia 30 de julho- Quinta-feira
20horas: Palestra: Psicopatia no mundo atual
Palestrante: Camila Chaves, Médica Psiquiatra do Serviço de Psiquiatria do Hospital de Clínicas-POA
Dia 31 de julho- Sexta-feira
20 horas: Palestra: A Nova Ciência e a Fé Valorizando a Vida
Palestrante: Moacir Costa de Araújo Lima, Professor, Advogado e Escritor
21h e 30 min -.Encerramento - Confraternização: 39 anos do Posto- CVV- POA.
Donarson foi o conferencista de julho
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Com o tema “O Espiritismo e os Pobres”, Donarson Floriano Machado, ex-presidente do CCEPA, foi o conferencista do mês, na primeira segunda-feira de julho.
Prosseguindo a série de conferências oferecidas ao público pelo Centro Cultural Espírita de Porto Alegre, na segunda-feira, 3 de agosto, às 20h, a psicóloga Mariana Canellas Benchaya abordará o tema “Refexão sobre a prevenção ao uso de drogas”.
Dia 28 de julho- Terça- feira
20 horas: Palestra: CVV- Uma Proposta de Vida
Palestrante: Coordenação do Posto
Dia 29 de julho- Quarta-feira
20 horas: Palestra: Saúde e Espiritualidade
Palestrante: José Camargo, Cirurgião Torácico, Diretor Médico do Hospital Dom Vicente Scherer, Chefe do Serviço de Transplante Pulmonar da Santa Casa
(FOTO JOSÉ CAMARGO)
Dia 30 de julho- Quinta-feira
20horas: Palestra: Psicopatia no mundo atual
Palestrante: Camila Chaves, Médica Psiquiatra do Serviço de Psiquiatria do Hospital de Clínicas-POA
Dia 31 de julho- Sexta-feira
20 horas: Palestra: A Nova Ciência e a Fé Valorizando a Vida
Palestrante: Moacir Costa de Araújo Lima, Professor, Advogado e Escritor
21h e 30 min -.Encerramento - Confraternização: 39 anos do Posto- CVV- POA.
Donarson foi o conferencista de julho
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Com o tema “O Espiritismo e os Pobres”, Donarson Floriano Machado, ex-presidente do CCEPA, foi o conferencista do mês, na primeira segunda-feira de julho.
Prosseguindo a série de conferências oferecidas ao público pelo Centro Cultural Espírita de Porto Alegre, na segunda-feira, 3 de agosto, às 20h, a psicóloga Mariana Canellas Benchaya abordará o tema “Refexão sobre a prevenção ao uso de drogas”.
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Café Cultural do CCEPA com sabor e arte
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O II Café Cultural do CCEPA, realizado no sábado, 27 de junho, na sede da instituição em Porto Alegre, reuniu cerca de uma centena de pessoas em torno de uma saborosa mesa de café, seguido de momentos de arte e lazer.
Na parte musical, o Coral Vila Assunção, sob a regência do maestro Vicente Casanova, brindou o público com canções eruditas e populares de seu repertório. Depois de uma descontraída declamação de um poema de humor por Milton Bittencourt e Walmir Schinoff, vários integrantes do grupo do Coral fizeram apresentações musicais individuais.
O II Café Cultural do CCEPA, realizado no sábado, 27 de junho, na sede da instituição em Porto Alegre, reuniu cerca de uma centena de pessoas em torno de uma saborosa mesa de café, seguido de momentos de arte e lazer.
Na parte musical, o Coral Vila Assunção, sob a regência do maestro Vicente Casanova, brindou o público com canções eruditas e populares de seu repertório. Depois de uma descontraída declamação de um poema de humor por Milton Bittencourt e Walmir Schinoff, vários integrantes do grupo do Coral fizeram apresentações musicais individuais.
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Afirmação espírita
José Rodrigues*
Discussões e apreensões sobre o substantivo “espiritismo” e o adjetivo “espírita” têm nos desafiado. É salutar que isso aconteça, como fruto do caráter libertário do espiritismo, em nome do qual há ampla diversidade de entendimento e práticas, por paradoxal, após os avanços conceituais sobre o velho espiritualismo, o mesmerismo, o magnetismo, com diversas denominações, até o novo-espiritualismo. Allan Kardec conseguiu, por um método próprio, construir um conjunto de saberes a que deu o nome de espiritismo e o de espírita, aos seus seguidores.
Essa trademark inscrita por Allan Kardec no mercado de ideias e do conhecimento balizou o nascimento de nova abordagem de um mundo, antes especulativo, impreciso e, não raro, manipulado, para outro, dimensionado, comprovado e sujeito ao método investigativo. No limite da argumentação, trata-se de uma propriedade intelectual da pessoa física nascida Hippollyte Leon, o professor Rivail.
Dentre esses fatos, hoje, pela cor branca de meus cabelos, ofereço aos companheiros, um pouco de história, pois desde os anos de minha juventude dediquei parte substancial de meu tempo à causa espírita, em momentos bem diversos do atual.
Já naquele tempo, pouco depois da metade do século passado, quando era generalizado o conceito de religião, fazíamos série de exceções para “a religião espírita”, que não continha isto e aquilo, para diferençar das demais. Um esforço hercúleo. Era um núcleo coeso, trabalhador e idealista. Nas semanas espíritas, para a sua divulgação, preparavam-se faixas para colocar nos postes e entre árvores da cidade; afixavam-se cartazes, com cola que nós mesmos preparávamos cozinhando farinha de trigo. Escrevíamos notícias para jornais e por ocasião das palestras, vendíamos livros. Acolhíamos oradores em nossas casas, para baratear os custos. Só gente religiosa era capaz disso.
Dentre nossas inconformações, havia, à época, um episódio marcante: a Festa de Iemanjá, promovida pela União Espírita Santista, cuja líder ocupava uma cadeira na câmara municipal. Batemos de frente, várias vezes contra os umbandistas, sob o pretexto de usarem indevidamente o nome espírita. Pagamos matéria em jornal de circulação regional para definir posições e certa vez, em pleno programa de rádio daquele grupo, telefonei à emissora “denunciando” o que seria uma apropriação indébita.
Nos anos 1970 a 1990, realizei, por motivos profissionais, várias viagens a Londres, onde colhi material dos espiritualistas de lá, conheci as “churches” e os ‘mediuns’ britânicos que lidavam com o objeto espírita, a maioria com consultas pré-marcadas e mediante cobrança. Fiz entrevista com um dos líderes intelectuais da época, Maurice Barbanell, editor do Psychic News, publicada no “Espiritismo e Unificação”, então editado pela União Municipal Espírita de Santos. O destaque: a reencarnação era posta em dúvida pelo “espiritismo” inglês. Mostra que o inconformismo de hoje já extrapolava o plano nacional e de longa data.
Em um lance contemporâneo lançam-se no mesmo mercado os termos kardecismo e kardecista, propostos substitutos de espiritismo e espírita. Até então, esses termos poderiam vir como ênfase a uma ideia, encontráveis na literatura do ramo, mas agora se trata mesmo de troca. Espíritas há desconfortáveis ou mesmo envergonhados com o substantivo e o adjetivo criados por Allan Kardec, ante um sem número de distorções, sob esses suportes.
Em tempos recentes, ainda que a conexão espiritismo/religião não seja fácil de ser desfeita, pelos próprios fundamentos post-mortem do estatuto espírita, vive-se, hoje,
o melhor tempo do trato desse conhecimento, particularmente no Brasil, com irradiação para outros países, sob o generalizado conceito de espiritismo laico.
Não dá para enterrar a história e deixar de reconhecer que há importantes etapas vencidas, com diferenciações mais claras em torno do mesmo foco. A liberdade de expressão, ganhos de independência e descomprometimentos com o passado, evidenciam campos distintos entre conservadores e progressistas.
O ‘renascimento’ da CEPA, seguido da criação, por este imenso Brasil, de novas instituições direcionadas ao estudo e à pesquisa espírita, são fatos históricos, altamente positivos, ante poucas décadas atrás. Uma nova literatura, produzida pelos encarnados, afirma posições, em linguagem livre, com aproveitamento dos princípios do espiritismo. São minoria? Sim, mas quais mudanças houve no mundo que não partiram de minorias?
Novas gerações já encontram uma bandeira de pé, a de um espiritismo aberto, contraposto ao igrejismo, ao misticismo e ao sectarismo, desfrutando dos bônus do laicismo, como deve ser uma filosofia de bases científicas.
Um terceiro argumento em prol do novo estágio da ideia espírita é dado pela mídia em geral, com crescente abordagem de temas correlatos, algo que foi censurado, boicotado e proibido, em tempos idos.
Com essa plataforma, analiso o termo espírita, que significa a aceitação do espírito, de sua origem aos seus ilimitados fins. Nada há mais universal que o termo espírito e, por derivações, espiritismo e espírita. Sob uma visão de mercado, tem tudo para fácil aceitação, é um achado genial. O espírito “sopra onde quer”, é real em qualquer quadrante do mundo, como parte da natureza. Na sua essência, partidariamente apolítico, tanto pode renascer em um país democrático, quanto ditatorial; não tem carimbo nacional e tampouco precisa de visto de entrada. O espírito é, e o nome da filosofia científica que trata de sua natureza e relações com o chamado plano físico chama-se espiritismo.
O mestre de Lyon, com toda sua grandeza e sabedoria, abriu mão de substantivar-se para a história, preferindo aceitar as sugestões dos espíritos, a fim de nominar a estrutura nascente.
Detenhamo-nos, além disso, na importância do tempo. As ciências reconhecidas de hoje, várias anteriormente mescladas com outras, levaram séculos para obtenção de seus espaços próprios. Astronomia, física, química, precisaram ultrapassar estágios de crendices, experimentos arriscados, do empirismo, de teorias de curta duração, para obterem reconhecimento da academia. No campo essencialmente teórico, a filosofia, de uma elite de pensadores, engravidada por inúmeras divisões, chegou à praça pública, a ágora, para se tornar, depois, disciplina curricular desde o nível médio escolar. Assim também com a cidadania.
Sob os pontos de vista de civilização e cultura, entendo que temos muito chão a percorrer. Talvez a nossa condição de país emergente, pelo critério econômico,
reflita uma natureza ávida por mudanças, no campo das ideias. Mas, se testarmos o conhecimento do espiritismo, como o concebemos, em relação a culturas, como a européia e a asiática, que antes da chegada de Cabral já eram consideradas antigas, temos resultados pífios.
Sobre este ponto tenho um fato curioso. Refere-se a uma conversa que mantive com jornalista francês, em Londres. Cobríamos um mesmo evento, ele como correspondente de uma agência internacional de notícias. Num intervalo entre as entrevistas perguntei-lhe se, como francês, conhecia ou ouvira falar no nome Allan Kardec. Para meu espanto e até desaponto, respondeu-me que não. Ainda citei o nome do professor Rivail, com o mesmo resultado negativo. E se tratava de um jornalista. Mais recentemente, no Brasil, outro fato chamou-me a atenção, pelo vínculo com propostas de mudanças. Um atleta do Santos Futebol Clube, Adailton, foi objeto de entrevista. Em dezembro de 2008 o site do clube, reproduzido na imprensa, deu breve história do atleta, que nascera com um problema de saúde e fora curado em um centro espírita de Salvador (BA). Parte do texto, sob o título: “Espiritualismo move a fé de Adailton”, dizia: “Desde que obtive essa cura, pratico o kardecismo. Com o passar do tempo, me aprofundei na espiritualidade e fui aprendendo coisas novas. A partir do momento que conheci a umbanda, intensifiquei o estudo dessa religião e me apaixonei. Tenho certeza que tudo provem do divino, inclusive todas as religiões”. Nas fotos que ilustravam a matéria havia capas do “Evangelho segundo o Espiritismo”, do romance “Paulo e Estevão” e do “Código de Umbanda”, de Rubens Saraceni. Observei que o termo kardecismo ganhava em cidadania, mas não-passível de ser deturpado por um senso que poderá ser comum. Nesse ritmo não será surpresa se entidades deste imenso país venham a denominar-se “centro kardecista de umbanda”. Sem donos, chefias ou controles centralizados, como convém a uma filosofia, essas criações têm campo livre para se manifestar, o que não se circunscreve à umbanda.
A contraposição a esse quadro está no desenvolvimento de um espiritismo afirmativo, em ilimitados campos do conhecimento, nos quais a imortalidade e seus contornos entram como diferenciador. Teses acadêmicas recentes estão nesse caminho, ainda que com menor ênfase para o flanco científico. A fase do que “não é” deve ser substituída pela do que “é”, peso que se tira das costas para uma caminhada positiva em direção ao futuro.
Entendo que a denominação espírita kardecista, seria a mais abrangente. O kardecista reafirma uma escola, é mais rígido e definidor do seu conteúdo, mas eis que se institui uma variedade de espiritismo. E aí se colide com a trademark do fundador. Agregue-se outro fator de importância histórica. Continuadores de Kardec, antigos e contemporâneos, os Léon Denis, Delanne, Bozzano, junto a pensadores e idealistas, como Porteiro, Herculano Pires, Deolindo Amorim, que somaram nos termos espírita e espiritismo, estariam com seus fundamentos comprometidos? A partir de qual momento, e com que autoridade, se substituiriam as denominações de origem, por novas?
São algumas contribuições que julgo de interesse a esse debate. Bom é que sigamos com a liberdade de propor nomes, conceitos e métodos, lançando-os no mercado do tempo.
Kardecismo substituindo espiritismo? O mestre de Lyon, com toda sua grandeza e sabedoria, abriu mão de substantivar-se para a história, preferindo aceitar as sugestões dos espíritos, a fim de nominar a estrutura nascente.
*José Rodrigues, economista e jornalista. Coeditor do site Pense-Pensamento Social Espírita (www.viasantos.com/pense). Preside a Ação de Recuperação Social – ARS e integra o Centro Espírita Allan Kardec, de Santos/SP.
José Rodrigues*
Discussões e apreensões sobre o substantivo “espiritismo” e o adjetivo “espírita” têm nos desafiado. É salutar que isso aconteça, como fruto do caráter libertário do espiritismo, em nome do qual há ampla diversidade de entendimento e práticas, por paradoxal, após os avanços conceituais sobre o velho espiritualismo, o mesmerismo, o magnetismo, com diversas denominações, até o novo-espiritualismo. Allan Kardec conseguiu, por um método próprio, construir um conjunto de saberes a que deu o nome de espiritismo e o de espírita, aos seus seguidores.
Essa trademark inscrita por Allan Kardec no mercado de ideias e do conhecimento balizou o nascimento de nova abordagem de um mundo, antes especulativo, impreciso e, não raro, manipulado, para outro, dimensionado, comprovado e sujeito ao método investigativo. No limite da argumentação, trata-se de uma propriedade intelectual da pessoa física nascida Hippollyte Leon, o professor Rivail.
Dentre esses fatos, hoje, pela cor branca de meus cabelos, ofereço aos companheiros, um pouco de história, pois desde os anos de minha juventude dediquei parte substancial de meu tempo à causa espírita, em momentos bem diversos do atual.
Já naquele tempo, pouco depois da metade do século passado, quando era generalizado o conceito de religião, fazíamos série de exceções para “a religião espírita”, que não continha isto e aquilo, para diferençar das demais. Um esforço hercúleo. Era um núcleo coeso, trabalhador e idealista. Nas semanas espíritas, para a sua divulgação, preparavam-se faixas para colocar nos postes e entre árvores da cidade; afixavam-se cartazes, com cola que nós mesmos preparávamos cozinhando farinha de trigo. Escrevíamos notícias para jornais e por ocasião das palestras, vendíamos livros. Acolhíamos oradores em nossas casas, para baratear os custos. Só gente religiosa era capaz disso.
Dentre nossas inconformações, havia, à época, um episódio marcante: a Festa de Iemanjá, promovida pela União Espírita Santista, cuja líder ocupava uma cadeira na câmara municipal. Batemos de frente, várias vezes contra os umbandistas, sob o pretexto de usarem indevidamente o nome espírita. Pagamos matéria em jornal de circulação regional para definir posições e certa vez, em pleno programa de rádio daquele grupo, telefonei à emissora “denunciando” o que seria uma apropriação indébita.
Nos anos 1970 a 1990, realizei, por motivos profissionais, várias viagens a Londres, onde colhi material dos espiritualistas de lá, conheci as “churches” e os ‘mediuns’ britânicos que lidavam com o objeto espírita, a maioria com consultas pré-marcadas e mediante cobrança. Fiz entrevista com um dos líderes intelectuais da época, Maurice Barbanell, editor do Psychic News, publicada no “Espiritismo e Unificação”, então editado pela União Municipal Espírita de Santos. O destaque: a reencarnação era posta em dúvida pelo “espiritismo” inglês. Mostra que o inconformismo de hoje já extrapolava o plano nacional e de longa data.
Em um lance contemporâneo lançam-se no mesmo mercado os termos kardecismo e kardecista, propostos substitutos de espiritismo e espírita. Até então, esses termos poderiam vir como ênfase a uma ideia, encontráveis na literatura do ramo, mas agora se trata mesmo de troca. Espíritas há desconfortáveis ou mesmo envergonhados com o substantivo e o adjetivo criados por Allan Kardec, ante um sem número de distorções, sob esses suportes.
Em tempos recentes, ainda que a conexão espiritismo/religião não seja fácil de ser desfeita, pelos próprios fundamentos post-mortem do estatuto espírita, vive-se, hoje,
o melhor tempo do trato desse conhecimento, particularmente no Brasil, com irradiação para outros países, sob o generalizado conceito de espiritismo laico.
Não dá para enterrar a história e deixar de reconhecer que há importantes etapas vencidas, com diferenciações mais claras em torno do mesmo foco. A liberdade de expressão, ganhos de independência e descomprometimentos com o passado, evidenciam campos distintos entre conservadores e progressistas.
O ‘renascimento’ da CEPA, seguido da criação, por este imenso Brasil, de novas instituições direcionadas ao estudo e à pesquisa espírita, são fatos históricos, altamente positivos, ante poucas décadas atrás. Uma nova literatura, produzida pelos encarnados, afirma posições, em linguagem livre, com aproveitamento dos princípios do espiritismo. São minoria? Sim, mas quais mudanças houve no mundo que não partiram de minorias?
Novas gerações já encontram uma bandeira de pé, a de um espiritismo aberto, contraposto ao igrejismo, ao misticismo e ao sectarismo, desfrutando dos bônus do laicismo, como deve ser uma filosofia de bases científicas.
Um terceiro argumento em prol do novo estágio da ideia espírita é dado pela mídia em geral, com crescente abordagem de temas correlatos, algo que foi censurado, boicotado e proibido, em tempos idos.
Com essa plataforma, analiso o termo espírita, que significa a aceitação do espírito, de sua origem aos seus ilimitados fins. Nada há mais universal que o termo espírito e, por derivações, espiritismo e espírita. Sob uma visão de mercado, tem tudo para fácil aceitação, é um achado genial. O espírito “sopra onde quer”, é real em qualquer quadrante do mundo, como parte da natureza. Na sua essência, partidariamente apolítico, tanto pode renascer em um país democrático, quanto ditatorial; não tem carimbo nacional e tampouco precisa de visto de entrada. O espírito é, e o nome da filosofia científica que trata de sua natureza e relações com o chamado plano físico chama-se espiritismo.
O mestre de Lyon, com toda sua grandeza e sabedoria, abriu mão de substantivar-se para a história, preferindo aceitar as sugestões dos espíritos, a fim de nominar a estrutura nascente.
Detenhamo-nos, além disso, na importância do tempo. As ciências reconhecidas de hoje, várias anteriormente mescladas com outras, levaram séculos para obtenção de seus espaços próprios. Astronomia, física, química, precisaram ultrapassar estágios de crendices, experimentos arriscados, do empirismo, de teorias de curta duração, para obterem reconhecimento da academia. No campo essencialmente teórico, a filosofia, de uma elite de pensadores, engravidada por inúmeras divisões, chegou à praça pública, a ágora, para se tornar, depois, disciplina curricular desde o nível médio escolar. Assim também com a cidadania.
Sob os pontos de vista de civilização e cultura, entendo que temos muito chão a percorrer. Talvez a nossa condição de país emergente, pelo critério econômico,
reflita uma natureza ávida por mudanças, no campo das ideias. Mas, se testarmos o conhecimento do espiritismo, como o concebemos, em relação a culturas, como a européia e a asiática, que antes da chegada de Cabral já eram consideradas antigas, temos resultados pífios.
Sobre este ponto tenho um fato curioso. Refere-se a uma conversa que mantive com jornalista francês, em Londres. Cobríamos um mesmo evento, ele como correspondente de uma agência internacional de notícias. Num intervalo entre as entrevistas perguntei-lhe se, como francês, conhecia ou ouvira falar no nome Allan Kardec. Para meu espanto e até desaponto, respondeu-me que não. Ainda citei o nome do professor Rivail, com o mesmo resultado negativo. E se tratava de um jornalista. Mais recentemente, no Brasil, outro fato chamou-me a atenção, pelo vínculo com propostas de mudanças. Um atleta do Santos Futebol Clube, Adailton, foi objeto de entrevista. Em dezembro de 2008 o site do clube, reproduzido na imprensa, deu breve história do atleta, que nascera com um problema de saúde e fora curado em um centro espírita de Salvador (BA). Parte do texto, sob o título: “Espiritualismo move a fé de Adailton”, dizia: “Desde que obtive essa cura, pratico o kardecismo. Com o passar do tempo, me aprofundei na espiritualidade e fui aprendendo coisas novas. A partir do momento que conheci a umbanda, intensifiquei o estudo dessa religião e me apaixonei. Tenho certeza que tudo provem do divino, inclusive todas as religiões”. Nas fotos que ilustravam a matéria havia capas do “Evangelho segundo o Espiritismo”, do romance “Paulo e Estevão” e do “Código de Umbanda”, de Rubens Saraceni. Observei que o termo kardecismo ganhava em cidadania, mas não-passível de ser deturpado por um senso que poderá ser comum. Nesse ritmo não será surpresa se entidades deste imenso país venham a denominar-se “centro kardecista de umbanda”. Sem donos, chefias ou controles centralizados, como convém a uma filosofia, essas criações têm campo livre para se manifestar, o que não se circunscreve à umbanda.
A contraposição a esse quadro está no desenvolvimento de um espiritismo afirmativo, em ilimitados campos do conhecimento, nos quais a imortalidade e seus contornos entram como diferenciador. Teses acadêmicas recentes estão nesse caminho, ainda que com menor ênfase para o flanco científico. A fase do que “não é” deve ser substituída pela do que “é”, peso que se tira das costas para uma caminhada positiva em direção ao futuro.
Entendo que a denominação espírita kardecista, seria a mais abrangente. O kardecista reafirma uma escola, é mais rígido e definidor do seu conteúdo, mas eis que se institui uma variedade de espiritismo. E aí se colide com a trademark do fundador. Agregue-se outro fator de importância histórica. Continuadores de Kardec, antigos e contemporâneos, os Léon Denis, Delanne, Bozzano, junto a pensadores e idealistas, como Porteiro, Herculano Pires, Deolindo Amorim, que somaram nos termos espírita e espiritismo, estariam com seus fundamentos comprometidos? A partir de qual momento, e com que autoridade, se substituiriam as denominações de origem, por novas?
São algumas contribuições que julgo de interesse a esse debate. Bom é que sigamos com a liberdade de propor nomes, conceitos e métodos, lançando-os no mercado do tempo.
Kardecismo substituindo espiritismo? O mestre de Lyon, com toda sua grandeza e sabedoria, abriu mão de substantivar-se para a história, preferindo aceitar as sugestões dos espíritos, a fim de nominar a estrutura nascente.
*José Rodrigues, economista e jornalista. Coeditor do site Pense-Pensamento Social Espírita (www.viasantos.com/pense). Preside a Ação de Recuperação Social – ARS e integra o Centro Espírita Allan Kardec, de Santos/SP.
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Opinião do Leitor
Opinião do Leitor
Vegetarianismo
Oportuna a matéria sobre vegetarianismo (Opinião, junho). Nos próximos 100 anos pessoas razoavelmente informadas não mais comerão carne. Os espíritas bem que poderiam se antecipar.
Edy S.Roland – São Paulo/SP.
Oportuna a matéria sobre vegetarianismo (Opinião, junho). Nos próximos 100 anos pessoas razoavelmente informadas não mais comerão carne. Os espíritas bem que poderiam se antecipar.
Edy S.Roland – São Paulo/SP.
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