A UTOPIA DO SAGRADO
Na medida em que se apropriaram do sagrado, um mundo utópico por elas
criado e cujas regras só a elas compete estabelecer, em presumível conluio com
as divindades, as religiões geraram o medo.
Uma parcela imensa da humanidade ainda está presa à concepção de que a
vida se acha bem mais subordinada ao mistério do que à razão. Para essas
pessoas, viver fora de algum sistema autorizado a interpretar e administrar o
mistério, é profundamente desconfortável. Os atos comuns de suas vidas, seus
ritos de passagem, seus projetos e realizações, se não passarem por algum
cerimonial que evoque o sagrado, estarão fadados ao insucesso. Não lhes basta a
disposição íntima e a convicção interior de que tais atos ou fatos derivam de
intenções saudáveis e visam a objetivos bons e belos. Sem alguma formalidade
que os remeta ao mundo do mistério, padecerão de ilegitimidade.
O BISPO DE MAURA
Em minha infância e adolescência, no Brasil não existia o divórcio. A
sociedade, cultivadora de valores conservadores e religiosos, condenava a
separação de casais e, com maior ênfase, via como pecaminosa a convivência de
casais impedidos de celebrar o matrimônio.
Mas, a vida é mais rica do que a norma. Casais, assim mesmo, se
separavam e buscavam outros parceiros. Como não podiam casar, eram tratados
pela sociedade como “ajuntados”, “amigados”.
Foi então que um prelado católico, bispo da cidade de Maura, RJ, rompeu
com a Santa Sé e criou a Igreja Católica Apostólica Brasileira. Esta aceitava o
divórcio e celebrava casamentos de pessoas separadas. Um lenitivo para quem,
continuando católico e preso ao utópico mundo do sagrado, precisasse
sacramentar sua união natural.
O BISPO DE ROMA
Foi esse mesmo temor ao mistério e submissão ao sagrado que conduziu,
nos últimos tempos, casais homoafetivos, impedidos de casar na Igreja, a pedir
a sacerdotes que lhes dessem uma bênção. Não valia como casamento, mas lhes
satisfazia a sede do sagrado. Entretanto, o Papa, tido como progressista, e que
pode muito, mas não pode tudo, dentro dos cânones da Igreja, acaba de acatar
resolução da poderosa Congregação para a Doutrina da Fé, que proíbe padres de
todo mundo de abençoarem casais homoafetivos.
Recorde-se que Francisco, meses atrás, deu declaração favorável à
formalização civil de uniões entre homossexuais. Ou seja: a regra vale para o
mundo real, desde que não contamine o utópico mundo do sagrado. Este é de
domínio exclusivo da religião.
O ESPIRITISMO
Em qual desses dois mundos transita o espiritismo? No do sagrado, ou
naquele construído, no decorrer da história, pelo espírito humano, em seu
processo evolutivo no planeta Terra?
A resposta a essa indagação define a identidade da filosofia espírita,
demarca tendências diferentes que se apresentaram desde os primórdios do
movimento e pedem, agora, conceituações claras, sem mais tergiversações.
A CEPA – Associação Espírita Internacional, de há muito, fez suas
escolhas. Elas estão, agora, registradas na “Coleção Livre -Pensar –
Espiritismo para o Século XXI”, uma série de livros, no formato e-book,
disponibilizados gratuitamente, a partir do evento de seu lançamento, dia 10 de
abril de 2021.
A definição clara de sua natureza é, mais do que nunca, requisito para
a própria sobrevivência do espiritismo.
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