sexta-feira, 23 de abril de 2021

Celebração de 85 Anos do CCEPA - Reflexões



Reflexões

Maurice Herbert Jones (*)

 

Reconheço que a Doutrina Espírita, no que se refere a sua essencialidade, pode ser apreciada de várias formas. Parece evidente que nossas características culturais e psicológicas são determinantes na seleção daquilo que mais nos sensibiliza, que mais se afíniza com a nossa natureza, merecendo. por isso, destaque especial.

Pessoalmente, identifico-me com aqueles que vêem no Espiritismo, sobretudo, a ciência que, interpretando racionalmente os fenômenos mediúnicos, fez do espírito, pela primeira vez na história, objeto central da sua pesquisa. Revelando a existência do espírito como "ser concreto e circunscrito que, em certos casos, pode ser apreendido pelos nossos sentidos", Kardec inicia uma revolução conceptual que ainda não foi valorizada nem pelos espíritas.

J. Herculano Pires dizia, talvez um pouco presunçosamente, que o Espiritismo é uma síntese conceptual do mundo moderno como o Cristianismo o foi do mundo greco-judaico-romano e o Mosaísmo do mundo antigo. Apesar do escancarado cristianocentrismo desta afirmação que parece não reconhecer na milenar cultura oriental mais do que um ensaio para o surgimento do Mosaísmo é evidente a vocação daquele Espiritismo de Allan Kardec e Leon Denis para a síntese. Vocação esquecida ou desapercebida pela maioria dos espíritas, especialmente no Brasil, que aceitaram a transformação do vigoroso e promissor pensamento espírita em mais uma religião. Este processo de sectarização retirou o Espiritismo do campo aberto dos debates científicos e das especulações filosóficas e o isolou nas áreas pouco ventiladas das religiões, das crendices.

A "religião espírita'' até que é bem sucedida no Brasil, tendo conquistado adeptos e admiradores, principalmente, pelas realizações de natureza assistencial. É uma religião simpática e certamente seria a minha escolha se me obrigassem a ter religião. Não nos iludamos, porém, com esta simpatia, ela não tem profundidade. Eu também me comovo diante do trabalho abnegado de profítentes das diversas religiões. Isto, entretanto, não me arrasta para estas religiões nem modifica minha filosofia de vida. E aí está uma questão fundamental.

Já foi dito que o homem moderno não quer mais crer de olhos fechados e sim saber de olhos abertos, significando isto que o homem esclarecido da nossa época somente aceita modificar sua filosofia, isto é, sua concepção de homem e de mundo, mediante argumentação científica e filosófica robusta. Ora, o dote espírita é destacado especialmente nestas áreas e, se for inteligentemente divulgado, poderá ser valioso aliado na busca da verdade, da liberdade e na luta contra o sofrimento, objetivos comuns a todos os homens.

A consequência essencial do extraordinário diálogo de Kardec com os Espíritos foi revelar a existência objetiva do mundo extrafísico ou espiritual do qual o nosso mundo físico é mero subsistema, deslocando, assim, o eixo das nossas perquirições filosóficas. Do homem físico passamos para o homem espiritual que transcende aquele. Ora, considerando a existência desta dimensão extrafísica como fundamental, o Espiritismo afeta drasticamente a forma pela qual percebemos o mundo e a nós mesmos.

Esta visão espiritocêntrica e o "humanismo transcendental" que dela decorre é o cerne da filosofia espírita. Sua natureza renovadora, revolucionária é evidente. É como brisa fresca no deserto, mas é doutrina de homens para homens e só poderá ser aquilo que dela fizermos.


(*) Maurice Herbert Jones, eletricitário aposentado, conferencista, brilhante pensador espírita da CEPA- Associação Espírita Internacional, ex-presidente da Federação Espírita do Rio Grande do Sul - FERGS, ex-presidente do Centro Cultural Espírita de Porto Alegre – CCEPA em várias gestões e um dos criadores do Estudo Sistematizado da Doutrina Espírita – ESDE.




 

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